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19 de dezembro de 2005

 

Uma fábula


O grande orador
autor: El hombre maíz

Havia naquela cidade um jovem que se apresentava todos os domingos na praça principal a fazer discursos. Falava de tudo. Dava sua opinião sobre todos os assuntos da vida, elaborava filosofias e logo vinha comunicar suas reflexões a todos os habitantes daquele local.

Era quase que uma cerimônia religiosa, visto que todos, definitivamente todos os moradores dessa cidade acudiam a escutar suas palavras, interpretá-las e obedecê-las. Apenas o jovem discursava. ninguém fazia perguntas, ninguém duvidava de suas palavras e ninguém pedia esclarecimentos. Essa posição privilegiada que disfutava o rapaz fazia-o acreditar que verdadeiramente era dono de toda a verdade existente, e, que não haveria no mundo um sábio capaz de questionar-le.

Certa tarde, ao final de mais um discurso, um velho morador daquela região se aproximou ao orador e lhe advertiu:

- Sabe por que te escutam, jovem?- Questionou o velho

- Porque necessitam de minhas verdades. - respondeu o rapaz

- Se equivoca, filho. Te escutam porque querem escutar alguém. Assim como qualquer outro habitante desse mundo querem acreditar em algo, e, você lhes passa a confiança que desejam sentir mais por sua postura que por suas palavras. Acreditam em sua roupa, em seu olhar, no tom da sua voz, nos movimentos de seus braços e em sua auto-afirmação, porém, nada aprendem de suas palavras, e de fato, nada deveriam aprender, porque são tolas.

- Invejas minha soberania por ser estúpido e arrogante, nada mais. - Respondeu o moço

- Não invejo sua soberania e nem sua mocidade, acredite ou não. Hoje sou apenas um velho que acude com curiosidade a ouvir os discursos de um menino prepotente, mas, caminhei bastante por esses mundos durante minha juventude e aprendi bastante por minhas andanças, o suficiente para saber que todas as palavras que profere a cada domingo são sandices criadas sem o menor cuidado ou investigação sobre o tema. E tenho conhecimento suficiente sobre o caráter humano pra saber que a única virtude que uma vez dominada pode substituir a todas as outras é aquela que você goza em abundância : A pose. É aparentar sempre mais do que sabe, ou aparentar saber algo quando não se sabe nada, é transmitir confiança a um mundo entupido de inseguros. Viver é fazer pose. Escuta o que te digo.

- E que uso fazem de minhas palavras, se, segundo você, não lhes interessa?

- Interpretam à suas maneiras, e só. No entanto, para qualquer coisa que você dissesse, sábia ou não, verídica ou não, encontrariam um significado à seus modos. Têm seus própris conceitos sobre as coisas e vêm aqui apenas ratificá-los com sua palavras. Façamos um teste, há pouco te referistes a mim como um velho estúpido, logo, crês que não tenho sábias idéias sobre o mundo, assim que no próximo domingo lerás um discurso meu e dará-se conta que até as filosofias de um velho estúpido tomam outra forma quando proferidas por ti.

Assim foi que o discurso do domingo seguinte teve o mesmo êxito de todos os outros domingos

- Entregaste- me um discurso tão inteligente quanto os meus próprios, por isso me aplaudiram.- Disse o garoto entrando em negação

- Na verdade, acabas de ler umas reflexões escritas por meu neto de doze anos. E havia escrito com pressa. - Respondeu o velho triunfante. - Não virei mais aqui explicar-te verdades. Aprenda por si mesmo, cada domingo leia um texto absolutamente inadequado para a ocasião e verá como continuam te escutando.

Assim é que no domingo seguinte o orador furioso havia picotado seu discurso em pedacinhos minúsculos, os havia metido em uma bolsa plástica e ia lendo cada pedacinho na ordem em que os sorteava.

-O que está querendo dizer é que a vida é confusa - diziam uns

- Ou que os acontecimentos nem sempre respeitam as ordens predeterminadas - debatiam outros.

O êxito de seu confuso sermão o havia emergido na realidade de sua ignorância, se encontrava abatido e desapontado, para o domingo seguinte, trouxe um lista de compras e leu ítem por ítem.

- Trata-se de uma metáfora sobre o consumismo - Diziam uns

- E também sobre a importância de uma dieta equilibrada - Debatiam outros

E assim prosseguiu o desiludido rapaz cada domingo debochando da atenção alheia. Ora lia uma cartinha de amor de seus treze anos, ora lia a lista telefônica. Gostava de jogar também com bulas de remédio, textos em russo, trechos do Corão ou realizar todo um discurso utilizando apenas onomatopéias, havia um sem fim de possibilidades. E todos aplaudiam e compreendiam as mensagens ocultas em seus estranhos sermões. Diziam até que estavam mais divertidos.

Até que um domingo o jovem orador se apresentou na praça principal da cidade um pouco mais sério do que o habitual. Tomou o microfone, mas, não disse uma palavra, apenas contemplava o horizonte com olhar passivo. Assim permaneceu toda a tarde e todas as futuras tardes de domingo. Em silêncio

- É a maior lição de nossas vidas - Diziam uns

- Fala sobre o nada e as incompreensões da vida - debatiam outros

- Usa o silêncio para representar a origem das coisas - Argumentavam

E eis que a cada domingo, durante muitos anos toda a cidade se reunia para ouvir o homem que não tinha nada a dizer.

***

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